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terça-feira, 2 de janeiro de 2018

As mortes pelo ouro: A tragédia no garimpo Paranaense



Durante a aula de Cobertura Jornalística e Redação I, o nosso professor pediu uma reportagem e as informações eram: Uma briga entre um garimpeiro e um policial, em um garimpeiro fictício em Aparecida do Norte no Pará também fictícia. Segue abaixo a minha:

Perto do amanhecer, José de Ulisses Pereira acordou, trocou e tomou o tradicional café antes de ir para o garimpo. Trabalhava a procura do ouro desde os seus oito anos quando ainda acompanhava o pai, Ulisses, no garimpo. Zé de Ulisses, como era conhecido, carregava consigo uma picareta, o nome do pai, rancor e esperança. Uma picareta para o trabalho; o nome para se orgulhar do pai; rancor pois seu pai foi morto por policiais na frente de Zé e esperança para que algum dia o garimpo fosse apenas uma lembrança.
Ainda realidade, Zé era o meia-praça do garimpo, sendo assim responsável por delegar onde os 10 garimpeiros que comandava iriam escavar. Recebia de 2 a 5% do que era escavado por seus homens, mais que os garimpeiros comandados por ele, mas não o suficiente para deixar o garimpo. Infelizmente, poucos que entram para o garimpo possuem uma chance real de sair dele. Mesmo com condições desumanas de trabalho, carga horária excessiva e rendimento de menos que um salário por mês, para muitos o garimpo é o único modo possível de trabalhar e buscar uma vida melhor.
É o caso de João Tainha, um dos homens de Zé, era um cavador, sobrevivia marretando a rocha com picaretas atrás de pepitas. É um dos trabalhos mais duros do garimpo, depende-se muito da sorte, pois não é possível saber se o barranco estava premiado ou não antes de explorá-lo. João também devia estar bem cedo no garimpo, quando chegou Zé já estava delegando onde seria o local de escavação no dia. Depois disso, todos os onze garimpeiros desceram as escadas longas até o local em que passariam o dia, era preciso muito cuidado tanto na descida quanto na subida da escada, muitos já morreram.
Próximo as 10 horas da manhã, João já estava com os pés já sujos de lama, com o suor escorrendo persistia a escavar a parede com movimentos quase que automáticos. Quando estava cansado como agora gostava de lembrar do som de sua filha rindo, o cheiro da comida da mulher que inundava a sua casa, não via nenhuma delas há anos, mas as lembranças continuavam com ele e em meio ao calor excessivo do garimpo elas se faziam mais presente. Em momentos de desespero, João permitia-se parar um pouco, algumas vezes bebia água das poças de lama do garimpo, era a única fonte de água já que a encanada ficava no refeitório junto com a comida e para ter acesso a ela era preciso subir as escadas novamente. Para João Tainha, era melhor engolir a água com terra do que morrer de desidratação.
Sob o sol latente, João Tainha olha para Zé de Ulisses que, mesmo sendo meia-praça, também escavava para conseguir mais ouro e poder ganhar mais, muitas vezes ele e Zé passavam a noite escavando para receber em troca 8 ou 10 gramas de ouro, como aconteceria essa noite, João admirava Zé, ele estava naquele trabalho desde criança. Não é um trabalho fácil, João já viu muitos companheiros de picareta morrer por diversos motivos: insolação, desidratação, queda das escadas longas, um deles chegou a ficar louco com a rotina de trabalho. João costumava dizer que “o garimpo não é para aqueles que tem coragem para escavar, é para aqueles que aceitam morrer escavando”.
Depois de recolher o ouro, João, Zé e os outros homens sobem mais uma vez para o almoço, o medo faz-se muito presente nesse momento já que as escadas não são seguras. Quando finalmente conseguem chegar ao refeitório a fila já era imensa e as mãos de João começam a arder, não era o ardor comum de quando você fica pendurado naqueles brinquedos de criança por muito tempo, era o ardor de quando colocam sal em um corte. João tinha as mãos calejadas pelo trabalho e subir 150 metros por uma escada feita de cordas e madeiras velhas faziam diversos cortes na mão de João, quando olhou para baixo só havia sangue. Em uma tentativa de parar o sangramento, João sai da fila para lavar as mãos em uma mangueira a cinco passos da fila para comer. A água faz com que os cortes ardam mais um pouco, mas com a frequência com que aquilo acontecia João Tainha já estava acostumado.
Ao retornar para fila, João é surpreendido por um policial que o agarra pelos cabelos, se os cortes já doíam, o puxão do policial apenas somou a dor. O policial conhecido como Cabo Silva, da Polícia Federal, gritava que João Tainha cortou a fila para o almoço, em protesto João gritava o contrário enquanto era puxado para o final da fila. As mãos sangravam, os pés doíam pelo sol quente, a boca seca de João implorava por água e comida, seu corpo parecia que iria cair aos pés do policial a qualquer momento, mas mesmo assim ele gritava a plenos pulmões até chegar ao final da fila.
O policial jogou João no chão ficando frente a escada onde os outros aguardavam para subir. Levantou com o resto das forças que tinha, olhou para o rosto do policial Cabo Silva e disse: “Eu não furei a fila”, tentando manter o resto de dignidade que possuía, sentia-se humilhado. Em resposta, Cabo Silva deu um soco no rosto de João. “Não é você quem decide”, foram suas palavras. Depois tudo a partir daquele momento na visão de João Tainha aconteceu muito rápido.
Vendo o companheiro de trabalho ser levado pelas mãos de um policial, Zé de Ulisses demorou para seguir os dois. As injustiças no mundo do garimpo aconteciam todos os dias, mas Zé estava cansado de ficar calado com tudo aquilo. Ficou calado quando assassinaram seu pai, permaneceu calado quando retiraram sua mãe do garimpo arrastada depois de segurar o marido até morrer, não ficaria calado ao ver o seu companheiro mais fiel apanhar por ter lavado um ferimento. Chegou a tempo de presenciar o policial socar o rosto de João Tainha, imediatamente Zé de Ulisses colocou-se entre o policial e o garimpeiro. Olhando para o rosto do policial, Zé de Ulisses o reconheceu.
Francisco Xavier Silva, o oitavo filho de uma família de dezesseis filhos, havia sido delegado para patrulhar o garimpo há menos de um ano. Cabo Silva não deixou que Zé pudesse dizer uma única palavra em defesa de João Tainha e ordenou que retornasse ao seu lugar caso não quisesse seguir o mesmo caminho que o cavador. Não foram aquelas palavras que fizeram com que a mão fechada de Zé de Ulisses golpeasse o policial, foi o empurrão que veio depois delas. Cabo Silva empurrou Zé de Ulisses e naquele momento, todo o rancor que ele guardava preso dentro de si resolveu se manifestar. A imagem do Zé menino de 9 anos, vendo o pai ser morto após aceitar o resto da marmita de outro garimpeiro para dividir com o filho encheu os olhos de Zé. A visão de sua mãe abaixada ao lado do pai ensanguentado sendo retirada a força por policiais o cegou e naquele momento Zé não via mais Cabo Silva, e sim o assassino de seu pai, naquele momento, Zé de Ulisses queria mata-lo.
Os outros policiais chegaram para apartar a briga, mas outros garimpeiros também se envolveram na confusão. Quando já haviam sangue e homens feridos, o coronel do garimpo sacou a sua arma e atirou em todos os homens na escada que estava a sua mira. Dezenas de corpos caem enquanto outros tentam se segurar com o impacto. Não havia mais luta, não havia mais confusão, todos param. Zé de Ulisses observa sua mão machucada com os socos que deu, olha em volta procurando seus homens e todos estavam parados. “Voltem ao trabalho”, disse o coronel e ninguém ousou fazer o contrário.

Ao todo 57 garimpeiros e 48 policiais foram feridos, enquanto outros 64 garimpeiros foram mortos. A maior tragédia no maior garimpo a céu aberto no mundo aconteceu ontem. Hoje o garimpo está no mesmo lugar, João Tainha, 38, continua como cavador; José de Ulisses Pereira, 42, ainda delega 10 homens, porém seis deles morreram na tragédia sendo substituídos por outros garimpeiros. Cabo Silva foi morto na tragédia, mas não pelas mãos de Zé. O garimpo ainda é uma realidade dura que machuca muitos ao redor do Brasil, em Aparecida do Norte aqueles que presenciaram a tragédia seguem suas vidas na busca de uma vida melhor, vivendo em uma vida que é mais fácil ver colegas de trabalho morrendo que o lucro do ouro. O garimpo não é para aqueles que tem coragem para escavar, é para aqueles que aceitam morrer escavando.

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